sábado, 2 de agosto de 2014

                           ESCOLHAS 2

Fazer escolhas é exercer o direito mais democrático que possuímos, visto que nossas escolhas devem ser feitas exclusivamente por nós. Até podemos aceitar uma opinião, um parecer, mas não deixar ninguém decidir a nossa vida. A uns soa confortável delegar aos outros as decisões sobre si mesmo pois transferindo a responsabilidade para outrem, se algo der errado, terão a quem culpar. Conheço pessoas assim.
Temos a liberdade e o poder de escolher, mas também temos o dever de refletir e ponderar, para que nossas escolhas sejam conscientes e seguras, já que vão traçar os rumos da nossa vida. É como numa eleição, temos a liberdade de escolher o nosso voto, mas vamos sofrer as consequências dele por longo tempo.
Escolhas corriqueiras, do dia-a-dia, como que roupa vamos usar amanhã, o que vamos fazer para o almoço ou que presente comprar para o aniversário da melhor amiga, embora escolher presentes seja uma tortura para mim, são mais fáceis de fazer porque não vão alterar o nosso modo de viver. Outras, no entanto, de tão complexas, queimam os nossos neurônios, nos tiram o sono e vão traçando linhas indesejadas em nossa face. Continuar ou não um casamento, trocar de profissão, adotar uma criança, mudar de cidade ou país, cuidar do seu pai idoso ou colocá-lo numa clínica, aceitar um cargo importante, que vai satisfazer o seu orgulho mas acabar com o seu sossego, enfim, são decisões que vão afetar diretamente a nossa vida, por isso exigem responsabilidade.
É muito comum ouvirmos críticas sobre as decisões erradas de alguém porque se espera que todos acertem o tempo todo. Mas é impossível acertar o tempo todo. Vamos errar e acertar muitas vezes e estamos aqui para aprender. E aprendemos muito mais com nossos erros. Quando acertamos nossa alma fica leve e tiramos de letra. Quando erramos o peso nos ombros nos obriga a pensar e refletir para que não venhamos a repetir o erro.
A vida é feita de escolhas, diz o jargão popular, exatamente porque é verdade. Do batom ao vestibular, da sandália ao par perfeito, entre a infelicidade instituída e o desafio de uma virada, entre a acomodação e o medo de encarar o novo, entre arriscar-se ou omitir-se, entre ser feliz ou infeliz, a vida urge, requer, é preciso decidir.
O mais importante é que sejamos capazes de decidir por nós mesmos, assumindo todos os ônus e bônus de nossas escolhas. Temos o poder, sejamos, pois, senhores do nosso destino!
Fev/14

sábado, 8 de fevereiro de 2014

                                                         ESCOLHAS
Quando falamos em “escolhas” logo pensamos em algo grandioso, casamentos, carreiras, profissões, mudanças radicais, decisões imperativas, coisas que irão determinar nossa vida, nosso futuro e deixar sua marca indelével estampada em nossa testa para sempre. Certo. São elas que vão moldar nosso caráter, nossa personalidade e nosso destino. Somos o fruto de nossas escolhas. E temos que fazê-las o tempo todo. Grandes ou pequenas, impossível nos livrar delas.
Escolhas são quase como árvores trepadeiras que vão se enroscando em nosso corpo e nos envolvendo inteiramente, como as árvores de Angkor Wat, quanto mais o tempo passa mais fortes e robustas se tornam, vão crescer tanto que em certas horas vão tentar nos sufocar, vamos desejar cortar-lhes os galhos, arrancar sua raízes, mas não adianta, elas jamais nos abandonarão. Serão para sempre como um outro ser, um irmão siamês grudado em nossa pele, correndo em nosso sangue, atuando em nosso coração, nossa razão, e vão determinar todos os nossos passos, vão determinar a nossa existência. Serão como um apêndice que iremos arrastar por aonde quer que andemos, com um letreiro de neon anunciando: “eu e minhas escolhas”.
Escolhas tem vida própria e nos submetem frequentemente ao seu jugo de tirania. Temos que acalmá-las, tratá-las com carinho, afagar sua cabeça e carregá-las de mansinho, para que não nos torturem, para que sejam nossas amigas, para que nos ajudem a conviver em harmonia com nosso eu e nos ajudem a manter a nossa paz interior.
Ao fazermos as escolhas certas nossas árvores tornam-se viçosas, verdejantes, suas folhas tornam-se abundantes e nos protegem com sua sombra; seus galhos, satisfeitos, afrouxam e nos presenteiam com regozijos de liberdade. Ao fazermos escolhas erradas, porém, despertamos a sua ira, suas raízes secam e seus galhos transformam-se em espinhos que irão ferir nossa carne, criar sulcos em nossa face, suas folhas caídas tornam-se lodo onde ficaremos presos, subjugados, reféns de sua vingança sórdida e mesquinha. Precisamos fazer as escolhas certas. Mas quem disse que é fácil? Fazer a escolha certa implica em sabedoria, conhecimento, bom-senso, discernimento, sentimento, consciência e responsabilidade. É preciso definir as prioridades e tê-las bem claras em nossa mente, só que às vezes elas se embaralham, nos confundem. Quantas vezes nos vemos forçados a escolher entre coisas alheias à nossa vontade, coisas que não planejamos e nem desejaríamos, mas que a vida coloca diante de nós, situações difíceis e inusitadas que nos obrigam a frear e voltar na contramão. É preciso muita compreensão e sensatez para entender e aceitar escolhas inevitáveis que somos obrigados a fazer. Nem sempre são as que gostaríamos, mas a nossa razão pondera a seu favor e precisamos tomá-las de coração aberto. Se forem para o bem do próximo, ou de quem amamos, sempre haverá a recompensa do bem-estar, da consciência tranquila, do dever cumprido.
Fazer escolhas exige uma profunda atividade mental, horas de reflexão e agonia até chegar a uma decisão definitiva, mas após sugar camadas e camadas de nossa energia, nossa árvore sentir-se-á alimentada e aplacará o seu furor. Embora sua seiva pegajosa obstrua nossas veias e nos impeça de respirar dignamente, sua fome abrandará e por algum tempo ela ficará satisfeita. Até surgirem outras demandas, outras urgências e tudo se repetirá. Así es la vida!
06/02/14
                                                  RESIGNAÇÃO

Enclausurada em casa, com os dois pés quebrados, impossibilitada de fazer qualquer coisa, até mesmo de ir na cozinha assaltar a geladeira, e ainda por cima com um calor de 40 graus (aqui quero dar um salve, um não, três salves para o inventor do ar-condicionado), e o que é pior, justo nas minhas férias, com tantos planos pra realizar, tantas coisas esperando na fila pra serem postas em prática, descubro que a única coisa que posso fazer, é me resignar. Mas como é difícil se resignar! Acostumados que estamos a dirigir nossos próprios destinos, de repente, nos vermos diante de uma situação adversa e imutável, que não nasceu do nosso desejo, e que, contra nossa vontade, somos obrigados a nos submeter, faz balançar nossas estruturas. Neste momento começamos a procurar o culpado ou pensar no famoso e se. E se eu tivesse feito isto, e se eu não tivesse feito aquilo, poderia ter evitado esta situação. Ou não?
Sinto-me cativa dentro da minha própria casa, um status pior do que prisão domiciliar, posto que nesta o prisioneiro ainda tem o direito de ir e vir, de circular pelos cômodos, de olhar pela janela, de sentar-se à mesa. Parece que fui abduzida, estou vivendo em outra esfera, num mundo quase totalmente virtual, à espera de que ossinhos se calcifiquem, cicatrizem e me devolvam a minha vida.
Isto já me aconteceu outras vezes, e cada vez que me vejo nessa condição, de ter que sair de cena abruptamente, deixando tudo de lado, penso que esta é uma situação de quase morte. Sério. Assim deve ser a morte. A quantos ela pega de surpresa, no meio do caminho, no meio dos planos, no meio da vida, e os tira de cena antes da peça acabar. Não importa tudo que estava por fazer, todas as coisas importantes ou essenciais que não poderiam deixar de ser executadas, não importa quão vitais elas fossem, elas não vão ser realizadas. E não adianta objetar, replicar, questionar, argumentar, é assim que vai ser. E o mundo vai continuar, a vida vai continuar, e nós... nós temos que nos resignar.
Isto significa que ainda devo dar graças a Deus por estar apenas numa situação indesejada mas que é reversível, depende apenas de tempo e paciência? Significa que devo me resignar? Mas não gosto disso, não gosto de ficar parada, aceitando o inaceitável; não gosto de ser plateia da minha própria vida. Até posso me resignar, mas não tão passivamente. Resignar-me, sim, mas sob protesto! Pronto, falei!
28/01/13

domingo, 24 de novembro de 2013


COM LICENÇA, VOU ATÉ ALI E JÁ VOLTO!

Vou até ali e já volto subentende um afastamento rápido, quinze minutos, meia-hora, uma hora talvez, duas horas no máximo, depois disso já é dado como caso perdido, como desaparecido. No entanto, descubro que esse vou até ali e já volto pode durar trinta, quarenta anos, sem significar abandono, sem que laços sejam rompidos, sem que vínculos sejam desfeitos, sem que amizades sejam esquecidas. Quando as relações são realmente importantes e significativas, quando existe afinidade, cumplicidade, companheirismo, elas se tornam marcantes e podem perdurar pelo resto da vida. É muito comum formarmos estes laços na juventude, quando temos tempo e oportunidade de conviver com muitas pessoas, seja com colegas de aula, parceiros de festas, jogadores do mesmo time, grupos com afinidades em comum, moradores da mesma rua, vizinhos, primos, enfim, com aqueles a quem passamos a chamar de amigos... todos sem outros compromissos que não sejam os de viver, conviver, se relacionar, trocar ideias, experiências, compartilhar sonhos e esperanças, traçar metas para o futuro. Até que o futuro chega e cada um toma um rumo diferente. É como se cada um dissesse: com licença, vou até ali estudar, trabalhar, me casar, formar uma família, criar meus filhos, evoluir financeiramente, comprar a casa própria, fazer novos amigos, viajar, viver a minha vida, realizar meus sonhos... Separados pela vida, vão assumindo responsabilidades, enfrentando desafios, acumulando experiências. Crescem, amadurecem e trabalham, trabalham e trabalham. Às vezes até esquecem de si mesmos mergulhados em compromissos, obrigações, atribuições, carnês, impostos, cartões de crédito, aluguel, alegrias, sonhos, esperanças, dívidas, frustrações, decepções, dificuldades, que tudo faz parte da vida. Passados alguns anos, problemas resolvidos, filhos crescidos, estabilidade adquirida, se descobrem com mais tempo para si e com tempo para curtir as novas e as velhas amizades.
Ah, como é bom reencontrar velhos amigos e perceber que a distância ou o tempo não mudaram o sentimento que nos unia, que embora muitos anos tenham se passado, a amizade e o carinho continuam sólidos e fortes. Fomos até ali e já voltamos e agora temos tempo para retomar nossos laços, nossa parceria, com o acréscimo de muitas experiências realizadas, muitas coisas construídas, muitas histórias para contar.
Se você retornar do seu vou até ali e já volto e encontrar nos seus amigos daquela época a mesma receptividade, receber a mesma acolhida e sentir-se confortável como se estivesse em casa outra vez, pode ter certeza, você fez a escolha certa, você teve amigos verdadeiros. Pessoas que nos valorizam jamais nos esquecem e jamais são esquecidas.

Aos novos amigos podemos dizer: com licença, vou até ali rever meus antigos amigos, mas já, já estou voltando para o nosso convívio, porque vocês são meus companheiros de jornada, amigos queridos que passaram a fazer parte da minha vida e da minha história e se tornaram tão imprescindíveis quanto meus amigos de infância. 
CINQUENTA TONS E UM DENTE-DE-LEITE

Visitando a Feira do Livro, lembrei que no ano passado o sucesso mais surpreendente ficou por conta da trilogia “Cinquenta Tons de Cinza”. Estranhei que  estivesse  causando tanto impacto, vendendo tantos milhões de exemplares e sendo considerado o maior best-seller feminino dos últimos tempos. Como todo mundo estava lendo, fui ler para conferir. Do ponto de vista literário, o livro não conseguiu me prender, não me empolgou e tive que forçar a leitura até o fim, pois não gosto de deixar as coisas pela metade. Diante de tanto frisson, inclusive de amigas minhas, passei a achar que a errada era eu. Fiquei procurando as razões para não ter gostado do livro e a verdade é que achei a história fraca, um romance água com açúcar, tipo aqueles livrinhos que li na adolescência, e quem leu vai se lembrar, Sabrina, Bianca e Júlia. Talvez com um pouco mais de sacanagem. O enredo também não me convenceu, a linguagem não envolve, não cativa e, o pior, não acrescenta nada; a personagem é ingênua demais, o galã mais parece um sapo disfarçado de príncipe e cenas de sado-masoquismo não fazem a minha cabeça, sou contra sentir ou provocar dor.  É por isso que não fiz medicina ou mesmo enfermagem, não teria coragem de aplicar uma injeção. Sou muito sensível à dor. Minha memória neste sentido é bem remota. Tinha seis anos de idade e um dente-de-leite prestes a cair, preso  apenas por um fio. Morria de medo de arrancar e não deixava ninguém chegar perto. A família me zoava,  dizendo que iam amarrar um fio de linha no dente e  depois no trinco da porta. Quando puxassem a porta – vapt - o dente saltaria longe – vupt! Só imaginar isso já me causava calafrios. Praticamente não dormia, temendo que fizessem aquilo à noite. Ficava  cuidando do dente como se fosse uma pedra preciosa, velando por ele como quem vela o sono de um recém-nascido. Uma tarde, meu tio veio nos visitar, eu estava deitada na cama, velando meu dente, quando ele parou na porta do quarto e começou a fazer todas as promessas possíveis para deixá-lo ver o dente. Eu nada. Ele insistiu muito, garantindo que não ia arrancar o dente, só queria olhar. Eu nada. Porém, após tanto esforço e conversa, do alto dos seus trinta anos ele conseguiu, enfim, me convencer e eu acabei acreditando nele. E deixei-o chegar perto para ver o dente. Numa fração de segundos ele estava com o dente na mão, dizendo: viu, nem doeu! Ahh, mas doeu sim, e como! Doeu muito mais do que ele poderia imaginar. Doeu por 50 anos. Fiquei inimiga dele. E toda vez que ele me via, falava no assunto. Eu já adulta e ele, sempre que me encontrava, relembrava o nefasto acontecimento. Quantas vezes tive vontade de lhe dizer que o que  doeu mesmo foi ele ter destruído a minha confiança nas pessoas. Levei 50 tons, quero dizer, 50 anos para compreender que talvez ele tenha me feito um favor.
Mas o que isto tem a ver com o livro de E. L. James? Além da dor, a desconfiança.   Confiar é bom, mas desconfiar é necessário. Some-se o fato de não gostar de ser dominada. Como boa escorpiana, prefiro estar no domínio. E, com  certeza, não curtiria uma chibatada sequer, nem pensar! Lei Maria da Penha na hora, com toda a certeza!
Talvez se eu tivesse lido este livro quando ainda era adolescente, fantasiosa e sonhadora, até tivesse gostado.  Mas agora! Estranho que ele seja comparado à saga Crepúsculo, este sim para mocinhas.
Fica a pergunta: porque tantas mulheres, todas maduras e bem resolvidas, se encantaram por este pretenso romance erótico? Não quero desfazer do livro, estou apenas externando a minha opinião. Já me basta achar que sou eu a ovelha negra,  a que não se rendeu aos encantos de Christian Grey.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

ROTINA

Sim, eu ando na contramão do universo! Se não sou a única, sou uma das poucas pessoas no mundo que adora a rotina!  A tão criticada e mal falada rotina, culpada pelo fim de casamentos inabaláveis, por traições injustificáveis, por separações inimagináveis, por desequilibrar as pessoas mais equilibradas. Quem já não ouviu as frases “saia da rotina”, “não caia na rotina”, “fuja da rotina”, pois ela é o bicho-papão, o monstro de sete cabeças, o ogro devorador de vidas, a praga infecciosa que age sorrateiramente, podendo te levar à depressão, te jogar no fundo do poço, acabar com a tua existência. Maldita rotina!
Pois eu bendigo a rotina. Rotina para mim significa equilíbrio, harmonia, tranquilidade; significa relações estáveis, nossa saúde perfeita e das pessoas que nos rodeiam, todas envolvidas com suas atividades normais, sem intercorrências, sem sobressaltos; significa estabilidade no emprego, contas em dia. Significa que tudo está funcionando normalmente, perfeitamente, devidamente organizado, encaixado, previsível. E, estando a vida assim, girando em seu próprio eixo, sobra tempo para pensar, imaginar, filosofar, ler, escrever, sonhar;  podemos nos aventurar, tentar coisas novas, viajar, extrapolar os limites da esfera cotidiana, sem remorsos, sem sentimento de culpa, sem receio de estar negligenciando algo ou alguém.
Bendita rotina, que põe os pingos nos “IS” de cada dia e libera tempo para a criatividade, a produção, o engajamento, a reflexão. A rotina organiza, estabiliza, equaliza. A rotina não é nossa inimiga, pelo contrário, ela nos liberta. Precisamos dela para trabalhar, para estudar, para aprender, para nos concentrar, para ordenar a nosa vida. Para a extrema maioria das pessoas, pode parecer estranho que alguém admire e deseje a rotina, mas ela é o meu desejo de consumo mais fremente. Quero a rotina de dias doces como os dias de minha infância, quando tudo era brincadeira e divertimento. Quero a rotina de dias intermináveis como os dias de minha adolescência, quando tudo era sonho e poesia. Quero a rotina de dias alegres como os dias de minha juventude, quando tudo era esperança e possibilidade. Quero a rotina de dias perfeitos, sem contratempos, sem noticia ruim, sem desesperança, sem desgaste emocional, sem perturbações.
Quero a tranquilidade da rotina para justamente poder sair dela, poder buscar outros ares, outros mares, outros limiares. Quero a tranquilidade da rotina para desvendar o universo, para mergulhar no infinito, romper a casca, bater as asas e sair de dentro de mim.
Bendita rotina! Bem-vinda rotina! Wellcome... Bienvenida... Bienvenue...
Setembro / 2013


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

                             BALÉ PLÁSTICO


Quanto mais atrasados estamos, mais sinaleiras fechadas encontramos pelo caminho. A cada parada e arrancada aumenta a ansiedade e a certeza de que não vamos chegar a tempo ao nosso compromisso. Quando estou assim, parada no trânsito, penso em como é grande o nosso atraso tecnológico. Por que ainda não inventaram o carro voador? Tudo o que eu queria nesta hora era apertar um botão e ver meu carro decolar verticalmente, abrindo uma vaga no meio da rua e sobrevoar o congestionamento, aterrissando a tempo e hora na porta do consultório médico. Deixemos de lado a hipótese de que todos os carros pudessem voar e o engarrafamento se transferisse para o espaço. Nada disso. O meu seria o único com esse poder e voaria livre sobre todos os outros. Tá bom pra você? Claro que não! Mas para mim estaria ótimo!

Numa tarde de sexta-feira, atrasada como sempre, estou ali parada na esquina da Sete de Setembro com a Bento Martins, maldizendo o tempo perdido diante do semáforo. É uma tarde de inverno, cinzenta, céu nublado, a ventania varrendo tudo e eu dando graças por estar dentro do carro, protegida do frio e do vento. De repente, um saco plástico grande, transparente, tipo aqueles usados para materiais de construção, inicia uma dança bem na minha frente, rodopiando, subindo, descendo, deslizando para cá e para lá, indo e voltando, em voltas inteiras e meia-voltas, num verdadeiro balé regido pelo vento e é tão bonito e tão fantástico o seu bailado que deixaria humilhada a cena similar apreciada por meio mundo no filme “Beleza Americana”. Começo a admirar a sua dança e esqueço do tempo, esqueço de tudo, quero que o sinal permaneça fechado até acabar aquela apresentação, quero estacionar, perder a consulta, esquecer todos os compromissos e continuar extasiada com os seus volteios e evoluções, orquestrados pelas rajadas de vento, ora suaves, ora frenéticas, alternando seus movimentos entre o clássico e o contemporâneo, numa performance ao mesmo tempo delicada e impetuosa, leve e decidida. Aquele saco plástico exibindo-se especialmente para mim me fez lamentar a brevidade do sinal vermelho e odiar o verde, que acendeu, expulsando-me do espetáculo. Ainda estendi por alguns segundos a minha permanência, mais, não pude, buzinas começaram a soar. Gente sem sensibilidade, vai ver não viram nada. Bem feito! Tenho certeza de que aquele balé magnífico foi exclusivamente para mim. Teria aplaudido, mas tive que partir, em completo estado de graça pelo privilégio de ter assistido aquele momento sublime, tão belo que se tornou inesquecível. Foi uma das coisas mais simples e mais bonitas que vi na minha vida. Poesia pura. Ou pura poesia. Até esqueci das sinaleiras. Carro voador, tecnologia? Para que tudo isso? Se eu tivesse voado, vejam só o que eu teria perdido! (Vera Janete Ortiz Ribeiro)

Julho / 2013